domingo, 16 de março de 2008

Robert Nozick, "Facto e Valor" (Parte II)

«Explicação Ética e Pressuposição
A discussão à volta do que é e o que deve ser ou facto e valor aparece quando se tomam a sério as verdades éticas. Supondo que existem verdades éticas objectivas, podemos averiguar a razão porque uma em particular encerra verdade em si mesma. A explicação pode demonstrar que esta verdade ética específica é um indício de uma verdade ética mais profunda ou mais geral, ou que (dados vários pressupostos factuais) se enquadra dentro de tal verdade. E uma vez mais podemos inquirir sobre a razão dessa verdade mais profunda e geral. Repetindo o processo, parece que acabaremos por chegar a (uma ou a um número de) verdades éticas fundamentais as quais, enquanto explicamos tudo o resto, parecem elas próprias extinguir qualquer explicação ética. Mais nenhuma verdade ética as explica. Deste modo ou são elas factos brutos que se sustentam sem qualquer explicação, ou então deve existir alguma explicação sobre as verdades éticas fundamentais em termos de verdades não-éticas. Se uma explicação envolver derivação, dedutiva ou de outro tipo, sobre o que está a ser explicado a partir do que motiva a explicação, então este último tipo de explicação pressupõe que um dever possa derivar de um ser. É necessário ter em conta que esta questão ou problema não depende da tentativa de justificar ou convencer alguém sobre uma qualquer asserção ética. A tarefa não consiste em promover a concordância sobre a verdade ética, mas sim em perceber por que encerra verdade. No caso das verdades éticas fundamentais, a questão reside no facto de tentarmos perceber qual o tipo de explicação que poderia existir. Se estas verdades éticas fundamentais não puderem ser explicadas através de verdades não-éticas – e não fazemos ideia sobre como tal explicação poderia resultar – então o universo ético passaria a ser autónomo.
Este corpo autónomo de verdades éticas seria ordenado e estruturado através da relação explicativa E, “é uma correcta explicação de”. As possibilidades de estruturação deste universo ético autónomo (através de relação explicativa) são aquelas, já anteriormente sugeridas e analisadas no capítulo 2, que incidem sobre como o universo de todas as verdades poderia ser estruturado. A relação explicativa assimétrica e transitiva “é uma correcta explicação de” vai permitir que num universo autónomo, seja de todas as verdades seja apenas (um universo autónomo) de verdades éticas, a seguinte estrutura seja possível: (a) um dos vários elos explicativos volta infinitamente ao ponto de origem, sendo que cada verdade será explicada por uma outra mais profunda; ou (b) um elo explicativo termina com uma verdade que é um facto bruto – nada o explica; ou (c) um elo explicativo termina com uma verdade fundamental que se pressupõe ela própria através da teoria da quantificação; a verdade genérica é um indício de si própria.
Ao recordar as estruturas possíveis subjacentes à explicação de todas as verdades, tal como foi referido no Capítulo 2, tornamo-nos mais receptivos às circunstâncias específicas das verdades éticas. Podemos desprezar a ideia de verdades éticas que não oferecem explicação acrescida – verdades brutas – até avaliarmos se podemos ou não evitar a possibilidade estrutural no universo de todas as verdades. Resultarão algumas leis gerais não-éticas que são factos brutos, sem qualquer explicação acrescida? Então se essas ocorrerem, por que não incluir também as verdades éticas?
Se a ética é um universo autónomo, não deveríamos ficar surpreendidos quando encontramos uma verdade ética geral sem qualquer explicação. Mais ainda, poderíamos esperar encontrar uma que fosse tão profunda que seria pressuposto e explicação de si mesma. Um dos objectivos da filosofia é pôr a descoberto e delinear tais verdades fundamentais. É preciso lembrar que o pressuposto não é prova ou condição suficiente da verdade (pressupõe-se que “Todo o princípio contendo sete palavras é verdadeiro”, mas é falso.). Contudo, se um princípio explicativo suficientemente profundo for verdadeiro, então (pensamos) também pode constituir a explicação de si mesmo através do pressuposto.

Um princípio fundamental da moralidade poderia ser pressuposto e revelaria muitas outras verdades morais (sendo que os factos ocupariam uma posição subsidiária enquanto premissas de menor importância). O princípio fundamental da moralidade, se é que existe, seria um princípio fundamental que se desdobraria em pressuposições revelando todas as outras verdades morais.*»


* Os comentadores da primeira formulação de Kant sobre o imperativo do pressuposto, que “incidem sobretudo na máxima através da qual podemos ao mesmo tempo desejar que ela se torne uma lei universal”, não explicam o significado da expressão “ através da qual podemos ao mesmo tempo”. Poderíamos interpretar Kant como querendo dizer que um princípio moral fundamental deve produzir um exemplo de si mesmo, que se deve pressupor?

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