sábado, 1 de março de 2008

Oitenta anos de... lucidez e coerência! (II)

Por razões várias e óbvias, tinha que publicar mais este artigo do Diário de Notícias sobre o Prof. Dr Daniel Serrão. Aqui vai:


"Médico patologista, que hoje festeja 80 anos, prepara livro de memórias.
No ano em que Daniel Serrão nasceu, vieram ao mundo figuras marcantes da História, entre elas o escritor Gabriel García Márquez, o revolucionário Che Guevara e James Dewey Watson, um dos descobridores da estrutura do ADN. Mas, de todos, nenhum se opõe de forma tão marcante ao pensamento do professor português como Jack Kevorkian, o "pai da morte", o médico norte-americano, também patologista, defensor acérrimo da morte assistida. Um acto que para Daniel Serrão é uma monstruosidade. "A forma mais indigna de morrer é ser morto por outra pessoa", disse ao DN gente, poucos minutos após ter chegado do Vaticano onde participou, até quinta-feira, na reunião anual da Academia Pontifícia para a Vida, encontro que conta sempre com a presença do Papa. Defensor da vida, Daniel Serrão não aceita nenhum acto que atente contra ela. E é peremptório a afirmar que "discutir a eutanásia hoje em dia não faz sentido, pois a resposta para o sofrimento das pessoas está nos cuidados paliativos". Cuidados que têm de ser melhorados e onde o Estado e a sociedade civil têm de participar mais activamente. "A vida é um dom de Deus que ningúem pode tirar", considera.

Um ano após a vitória do "sim" no referendo ao aborto, Daniel Serrão continua a achar demagógicos os argumentos dos defensores do fim da gravidez a pedido da mulher. E considera que "o médico abusa da profissão quando faz um aborto".

O passar dos anos não lhe diminuiu o ânimo e o entusiasmo na defesa de grandes causas. Também por isso, a Universidade Católica e o Instituto de Bioética prestam-lhe hoje uma homenagem no campus da Foz.

Daniel dos Santos Pinto Serrão nasceu em Vila Real, mas passou a infância e juventude em várias localidades, até se fixar, definitivamente, no Porto. Esta itinerância deve-se ao facto de o pai - um engenheiro do Estado que tinha sido chefe de gabinete do ministro do Comércio Nuno Simões, antes da implantação da República - não ser um adepto do Estado Novo. "Era constantemente transferido de cidade para cidade", revelou. Isso está patente no seu currículo. Frequentou os liceus de Viana do Castelo e de Coimbra, tendo concluído o curso geral dos liceus em Aveiro, com 18 valores. É nesta cidade que termina o Curso Complementar de Ciências, também com 18 valores. E em 1951 termina o curso de Medicina, com média final de 17 valores, na Universidade do Porto.

Decidido a enveredar pelo ensino, doutora-se em 1959, com 19 valores. Em 1961 concorre a professor extraordinário de Anatomia Patológica, sendo aprovado por unanimidade. No ano de 1967 é mobilizado para Luanda, onde esteve dois anos a prestar serviço no Hospital Militar como anátomo-patologista.

De regresso à metrópole, concorre a professor catedrático, em 1971, tendo sido aprovado por unanimidade, assumindo depois a direcção do Serviço Académico e Hospitalar de Anatomia Patológica.

Com a queda do Estado Novo vieram alguns dissabores. Apesar de nunca se ter metido em política, foi acusado de ter denunciado estudantes comunistas à PIDE. Esta acusação levou a que a 23 de Junho de 1975 - em pleno "Verão quente" - o então ministro da Educação, por despacho, o demitisse das funções de professor universitário e de director (por inerência) de Serviço Hospitalar. "Uma crueldade resultante de uma acusação completamente falsa", disse. "Nunca fui comunista, mas também nunca denunciei ninguém. Aliás, a política não me seduz minimamente e , entre os meus amigos, tenho alguns comunistas." A acusação "era tão ridícula que ninguém no S. João aceitou substituir-me", contou.

Esta demissão abrupta de todas as funções remuneradas, as únicas que tinha, colocou-o numa posição financeira complicada. "De um momento para o outro, fiquei numa situação difícil. Se não trabalhasse teria de ir pedir esmola para me sustentar a mim, à minha mulher e aos meus seis filhos."

Mas a sua fé ajudou-o a superar esta "injustiça" perpetrada por "um fantoche que servia de ministro". Dez dias bastaram para que iniciasse a actividade profissional privada, montando um laboratório de Anatomia Patológica em sua casa, com a ajuda de colegas. No dia em que abriu, teve logo os primeiros clientes, entre os quais os estabelecimentos estatais que até aí servia. De Julho de 1975 até Dezembro de 2002 realizou 1,6 milhões de exames histológicos e citológicos para hospitais públicos e para clientes privados.

Um ano após ter sido saneado, é reintegrado, tendo o despacho sido anulado por manifesta carência de qualquer fundamento, tendo-lhe sido pagos os vencimentos dos 12 meses durante os quais foi impedido de exercer as suas funções académicas e hospitalares. Reassumiu, mas só formalmente, as funções, "pois na essência da minha missão de professor havia uma transformação radical".

Este episódio da sua vida vai ser relatado em livro. Saneamento Político Exemplar - 33 Anos Depois é o livro que vai lançar este ano, pela mão de Zita Seabra. "Vou contar o que realmente aconteceu."

O livro "está a ser ultimado" e "será lançado no dia 23 de Junho, exactamente 33 anos após ter sido demitido de todas as minhas funções" na sequência do 25 de Abril.

Pai de dois rapazes (um já falecido) e quatro raparigas, encontra em Deus e na família o seu suporte. Todos os domingos almoçam em sua casa. Mesmo o mais "atarefado", o mediático Manuel Serrão."

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