domingo, 27 de abril de 2008

David B. Hershenov, “Um Argumento a favor da Clonagem Humana Limitada” (Parte II)

«Espero que o leitor seja complacente com a infelicidade das pessoas envolvidas nos quatro tipos de casos considerados. O que têm estes casos em comum e o que falta aos anteriores casos repugnantes? Os quatro casos positivos reproduzem todos a procriação normal. Quer dizer, uma nova criança é concebida deliberadamente e trazida a este mundo em virtude de uma decisão de dois parceiros voluntários (os pais), recebendo a criança metade do ADN de ambos. Tanto a procriação sexual normal como a forma de clonagem advogada respeitam este critério. Os quatro tipos de clonagem desejável diferem da procriação sexual normal apenas porque os pais decidem voltar a usar o ADN que anteriormente decidiram fundir para criar a primeira criança. Mas nenhum dos casos repugnantes envolve uma decisão de clonagem feita pelos pais do clone ou, se é que eles têm algum voto na matéria, a prática é desagradável para os adultos que, não sendo os pais genéticos do ser clonado, acabam por se apossar do clone, talvez porque procurassem o material genético que deu origem ao clone. O que também distingue as duas categorias de clonagem é que a forma preferencial envolve infertilidade ou, no mínimo, a incapacidade de conceber bebés saudáveis. Somos complacentes com aqueles que querem fazer o que a grande maioria dos outros casais faz: combinar o seu material genético com a pessoa amada para dar origem a uma nova vida.
Portanto, a nossa análise breve sugere algumas condições necessárias para a clonagem: (1) não se deve permitir que as pessoas se clonem a si mesmas; (2) não se deve permitir que as pessoas se apoderem do “produto” do processo de clonagem a não ser que sejam os pais genéticos do clone; (3) os pais genéticos do clone se confrontarem com a incapacidade ou a improbabilidade deles próprios conceberem uma criança; (4) e ambos os pais genéticos devem poder discutir livremente a possibilidade de iniciar um processo de clonagem. Combinando estas condições necessárias, podemos formular o princípio prometido da forma seguinte: Um clone pode ser criado apenas por um par de pessoas que, não sendo de outra maneira capazes de conceber em conjunto uma descendência saudável, decidem livremente conceber e educar uma criança que receberá metade do seu material genético de ambos.
Este princípio faria do par que iniciasse a clonagem os pais do clone resultante e não os seus irmãos mais velhos. Uma tal forma de clonagem “pró-familia” e “pró-pais”, que alivia a infelicidade da infertilidade, será provavelmente a única forma de clonagem desejável dado o actual ambiente político. Seria este princípio que nos permitiria construir uma barreira para o declive ardiloso da clonagem. Outros poderão querer evitar o declive ardiloso por nunca se aproximarem do topo da montanha, mas eu penso que eles fazem isso porque não possuem um argumento contra os casos de clonagem que recebem a nossa simpatia. O seu único argumento contra o alívio que a clonagem proporciona nestes casos é o de que permitir a clonagem aumenta a probabilidade de ocorrência dos casos repulsivos que consideramos no início. Mas eu acredito que é preferível possuir uma linha de princípios bem delineada onde fundar as nossas políticas ainda que isso nos conduza de alguma forma ao assustador declive – desde que evitemos aquelas áreas que são inerentemente erradas, quer dizer, moralmente erradas mesmo que não se vá mais além. O princípio recomendado faz justamente isso. Todos os casos desagradáveis falham no facto de não envolverem os pais genéticos do clone na iniciação livre do processo de clonagem e permitirem a posse do clone resultante nas situações em que não está disponível outra forma segura de conceber uma criança mais saudável. De facto, muitos dos casos mencionados nem sequer envolvem o consentimento dos pais do clone uma vez que a decisão é feita pelo seu filho para se clonar a si próprio e tomar o controlo do(s) irmão(s) resultante(s). Não só podem as pessoas tornar-se pais sem o terem escolhido, como podem nem sequer ter consciência de se terem tornado pais.

II
Vimos que propriedade falta aos casos desagradáveis. Mas isso não significa que todos os atributos desagradáveis dos casos repugnantes sejam partilhados pelos nossos três tipos de cenários mais atraentes. Felizmente, não é este o caso – ou, pelo menos, as características desagradáveis em questão não são partilhadas na mesma medida pelos tipos de casos invocados. Desta forma, seremos capazes de desarmar os opositores da clonagem por causa de podermos defender que as suas objecções gerais não se aplicam aos casos de clonagem apoiados neste ensaio, ou então que se aplicam mas num grau bastante mais inferior.
Muitos dos opositores da clonagem, como Kass, sentem repulsa pela perspectiva dos filhos virem a ser criados e educados pelos irmãos em vez dos pais genéticos. Referimos que os receios do bioeticista James Nelson que imagina clones à procura dos seus pais genéticos e a reclamarem uma relação pais-filho apesar do facto da origem da criança decorrer de actos dos irmãos e não de actos dos pais que provavelmente nem sequer desejavam mais filhos. Mas dadas as condições necessárias para a clonagem que apresentei, estas objecções não são contundentes. Os únicos clones permitidos seriam os de pais inférteis, ou mais exactamente, daqueles que não podem ter filhos saudáveis através da reprodução sexual. Assim, os papéis, as lealdades e as obrigações da família tradicional permanecem os mesmos.
Também não precisamos partilhar do medo de Kass relativamente à possibilidade da reprodução assexuada dar origem a um aumento do número de pais solteiros a criarem os seus próprios clones. Podemos evitar isto porque o princípio advogado estipula que apenas os pais genéticos do possível clone podem decidir clonar. Uma vez que não se deve permitir que as pessoas se clonem a si próprias, nenhuma criança seria criada por pais solteiros excepto no caso de uma morte súbita. Ao não permitir que uma pessoa decida por si clonar-se a si mesma, evita não só os casos desagradáveis de clonagem narcísica e arrogante analisados, como nos liberta da preocupação do clone vir a ser responsabilidade do irmão mais velho ao qual faltará a devoção para com o bem-estar da criança que os pais normalmente possuem.»


David B. Hershenov, “An Argument for Limited Human Cloning” in Boonin, David & Oddie, Graham (ed.) (2005) What’s wrong? Applied Ethicist and their Critics. New York: Oxford University Press, pp. 688-91 (Adaptado e traduzido por Vítor João Oliveira)

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