segunda-feira, 7 de abril de 2008

Michael Tooley, "Estatuto Moral e Clonagem Humana" (Parte IV)

«Objecções à clonagem de seres humanos

A clonagem de bancos de órgãos sem mente
Certas objecções à clonagem de seres humanos para produzir organismos humanos sem mente que serviriam como fonte de órgãos para outros, são perfeitamente inteligíveis. Se alguém refuta esta ideia argumentando que estamos a destruir uma pessoa, a preocupação que está aqui a ser expressa é tanto clara como séria. O mesmo acontece se a objecção for, ao contrário, que tal clonagem é seriamente errada, uma vez que ao impedir um organismo humano de desenvolver um cérebro funcional, está-se privar-se uma alma imaterial associada a esse organismo em termos da possibilidades de poder experienciar uma vida neste mundo. Finalmente, o mesmo é verdade se alguém defende que tal clonagem seria errada, por envolver a destruição de uma potencialidade activa para ser pessoa.
O problema com estas objecções não é o facto de serem incoerentes. Nem é o caso de serem irrelevantes. O problema é apenas o facto de todas estas objecções não serem, afinal, sólidas, devido às razões que indiquei antes. Assim, o problema da primeira objecção é haver razões excelentes para defender que os embriões humanos não possuem essas capacidades, como a capacidade de pensar ou de consciência de si, que algo deve ter, a dada altura, se vier a ser uma pessoa. O problema da segunda objecção é haver fortes razões para defender que a base ontológica das capacidades envolvidas na consciência, na consciência de si, no pensamento, e noutros processos mentais, está no cérebro humano e não numa alma imaterial. Finalmente, o problema da terceira objecção reside na assunção de que a destruição de uma potencialidade activa para ser pessoa é moralmente errada, uma vez que essa tese não é, por um lado, suportada por qualquer argumento satisfatório e está, por outro, à mercê de uma objecção decisiva que apresentei antes.
Contudo, parece frequente que pessoas que concordam com a falta de solidez da objecção anterior e que, para além disso, não consideram o aborto como moralmente problemático, ainda assim mostrem alguma apreensão com a ideia de produzir bancos de órgãos sem mente. Contudo, essa apreensão raramente é articulada, e geralmente assume a forma de mera descrição da ideia de um banco de órgãos sem mente como um cenário mórbido. Este tipo de recusa do uso da clonagem para produzir bancos de órgãos é bastante perturbadora. O que estamos aqui a considerar é uma forma de salvar vidas, pelo que, se alguém rejeita este uso da clonagem, está a defender um curso de acção que resultará na morte de pessoas inocentes. Fazê-lo com base na ideia de que um banco de órgãos sem mente é um cenário mórbido parece, em última análise, moralmente irresponsável: se o uso da clonagem deve ser rejeitado, então deve apresentar-se um argumento moral sério.

A clonagem de seres humanos para produzir pessoas
Algumas pessoas opõem-se à clonagem realizada com o objectivo de produzir uma pessoa, por esta envolver uma violação de algum direito da pessoa produzida. As versões mais importantes deste tipo de objecção são as que considerei anteriormente, nomeadamente que há tanto uma violação do direito de uma pessoa a ser um indivíduo único, como, de forma mais precisa, a ser um indivíduo geneticamente único, ou em alternativa, o direito de uma pessoa usufruir de um futuro em aberto que não seja constrangido pelo conhecimento do curso da vida do indivíduo com o mesmo código genético. Mas, de acordo com as razões apresentadas anteriormente, nenhuma destas objecções é sólida.

Objecções do tipo Maravilhoso Mundo Novo
Ora, há um tipo de objecção que não é habitual encontrar nas discussões académicas, mas que é bastante comum na imprensa popular, e que envolve cenários em que os seres humanos são clonados em larga escala para servir como escravos ou como soldados entusiásticos do exército de um ditador. Todavia, esses cenários não parecem muito plausíveis. Não equivalerá a pensar que, onde a clonagem estiver disponível, a sociedade decidirá afinal que a rejeição da escravatura foi um erro? Ou então que um ditador que não tenha sido capaz de construir um exército satisfatório a partir dos cidadãos existentes seria capaz de induzir as pessoas a levar por diante um programa de clonagem maciça, para que finalmente, cerca de 18 anos depois, pudesse ter o exército com que sempre sonhou?

Perturbação psicológica
Esta objecção está fortemente relacionada com a objecção da violação de direitos, porque a ideia é que, mesmo que a clonagem não viole o direito de uma pessoa a ser um indivíduo único, ou a ter uma caracterização genética única, ou a um futuro aberto e não constrangido, ainda assim, as pessoas que fossem clones poderiam sentir que a sua unicidade estaria comprometida, ou que o seu futuro estivesse constrangido, e isso poderia provocar um dano e um sofrimento psicológico substancial.
Há duas razões para rejeitar esta objecção e mostrar que não é sólida. A primeira surge quando se pergunta a alguém sobre as crenças em causa, quer dizer, a crença de que a unicidade de alguém fica comprometida com a existência de um clone, e a crença de que o futuro de alguém será constrangido se souber da existência de um clone seu. Ambas as crenças são, como vimos, falsas. Mas, para além disso, também parece evidente que tais crenças são, em geral, irracionais, uma vez que parece difícil ver que razões haverá para que alguém as aceite, a não ser o determinismo genético, contra o qual, como vimos antes, há evidências conclusivas.
Depois de perceber que os sentimentos que podem dar origem a perturbações psicológicas são irracionais, pode apelar-se para o que defendi antes, quando considerei a questão de saber se o conhecimento da existência de um clone poderia, por exemplo, prejudicar o sentimento de individualidade, ou se, se fosse esse o caso, tal dano seria suficiente para defender a existência de um direito correspondente que seria violado pela clonagem. O que defendi nessa altura foi que o dano a um indivíduo acontece porque o indivíduo possui uma crença irracional como um estatuto moral do dano diferente que não depende da presença de uma crença irracional, e que, em particular, a possibilidade do primeiro tipo de dano não deve ser entendida como constrangendo moralmente os outros. Ao contrário, a responsabilidade por um tal dano deve ser atribuída ao indivíduo que possui a crença irracional, e a única obrigação que recai sobre os outros é a de mostrar à pessoa em questão por que razão a sua crença é irracional.
A segunda razão pela qual a objecção não pode ser sustentada também está relacionada com o facto dos sentimentos envolvidos serem irracionais, uma vez que a irracionalidade dos sentimentos significa que, se a clonagem se viesse a tornar numa ocorrência familiar, provavelmente eles não persistiriam por muito tempo. Por exemplo, suponha que o João sente que já não é um indivíduo único, ou que o seu futuro está constrangido, dado que é um clone de uma outra pessoa. A Maria também pode ser um clone de alguém, e pode mostrar ao João quão diferente é da pessoa de quem é geneticamente idêntica, e que não se sente constrangida com a forma como esta vive a sua vida. Continuará o João a persistir na sua crença irracional? Parece pouco provável. Se for esse o caso, nenhuma perturbação produzida persistirá por um longo período de tempo.»

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