quarta-feira, 21 de maio de 2008

Michael Walzer, “ A Ideia de uma Sociedade Civil. Uma via de reconstrução social” (Parte IV)

«Uma resposta nacionalista
A quarta das respostas à pergunta sobre a vida boa pode entender-se como uma tentativa de dissolver o problema da amoralidade e da falta de lealdade do mercado, ainda que também beba indubitavelmente noutras fontes. Neste caso, a característica que se considera preferível é a nação, em cujo seio somos membros leais, unidos uns aos outros por laços históricos e sanguíneos. O melhor que se pode ser, na diferença, é um membro seguro na sua pertença ao grupo, literalmente parte de um todo orgânico. Viver bem é participar com os outros homens e mulheres, recordar, cultivar e transmitir a herança nacional. Segundo o ponto de vista nacionalista, isto é assim, à margem do conteúdo específico da herança, que deve transmitir-se apesar de ser a própria. É um problema de nascimento, não de escolha. É evidente que qualquer nacionalista considerará a sua própria herança valiosa, mas os seus mais altos valores não estão centrados na busca dessa herança, mas na vontade, na firme vontade, de identificação do indivíduo com um povo e um desenvolvimento histórico.


Tem-se dito frequentemente que o nacionalismo é uma ideologia das esquerdas, historicamente vinculada à democracia e até ao socialismo. Mas, na sua forma mais característica, é uma ideologia das direitas, porque reivindica uma visão classificatória da pertença ao grupo. Ser membro não significa tomar decisões políticas nem exercer qualquer tipo de actividade que vá mais além da afirmação ritual. Contudo, quando as nações são governadas por poderes estrangeiros, a afirmação ritual acaba por ser insuficiente. Neste caso, o nacionalismo requer uma lealdade de tipo mais heróico: sacríficio na luta pela libertação nacional. O que prova a importância que se deve dar a esta quarta resposta ao nosso problema é a capacidade das nações para obterem estes sacrifícios por parte dos seus membros. Os membros individuais procuram a vida boa na autonomia, não para si próprios, mas para a totalidade do povo. O desejável é que este tipo de atitude sobreviva à luta pela libertação e se converta na base da solidariedade social e da assistência mútua. É possível que, em certa medida, isto ocorra. Desde logo, é evidente que o Estado de bem-estar teve mais êxito onde se verificou maior homogeneidade étnica. Contudo, também é certo que quando a libertação se consolida, os homens e as mulheres nacionalistas contentam-se com um sistema que não fomenta a participação comunitária. Do ponto de vista nacionalista, isto não é mau, já que a vida boa não é uma questão de actividade, mas de identidade. É um problema de fé, não de obras, embora ambos os termos sejam entendidos de forma secular.

Em geral, no mundo moderno, as nações procuram a estabilidade, porque se não contam com um poder soberano, a sua autonomia será continuamente ameaçada. Mas não se procura a implementação de estados com determinadas características, menos ainda estados que resultem de fórmulas de interesses económicos específicos. Ao contrário do que ocorre no caso das comunidades religiosas (intimamente aparentadas com os nacionalistas e, amiúde, os seus mais duros rivais), os nacionalistas não se devem a nenhuma lei ou conjunto de textos sagrados. Para além da libertação, não contam com qualquer outro programa; apenas haveria o compromisso com a manutenção de um certo “modo de vida”, com a continuação da história. Suponho que as suas próprias vidas sejam emocionalmente intensas, mas é uma intensidade perigosamente etérea nos domínios social e económico. Se os tempos são maus, é possível voltarem-se rapidamente contra outras nações, especialmente contra aquelas com as quais têm que conviver no âmbito interno: minorias, estrangeiros, estranhos. Nem valores como a cidade democrática, a solidariedade entre trabalhadores, a liberdade de iniciativa ou a autonomia dos consumidores, ainda que sejam menos exclusivistas do que o nacionalismo, podem fazer face, em todas as ocasiões, a este poder expansivo. A facilidade com que os trabalhadores, cidadão e consumidores se convertem em nacionalistas fervorosos reflecte o inadequado das três primeiras respostas que demos à pergunta sobre a vida boa. A natureza do fervor nacionalista mostra quão pouco adequado acaba por ser a última delas.»

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