domingo, 1 de junho de 2008

Allen Buchanan et al “Por que não o melhor?” (Parte V)

«O direito a um futuro em aberto

Ainda que o grau e os fundamentos da neutralidade efectivamente esperados por parte do estado e dos pais, quanto ao tipo de crianças que se devem produzir, difiram substancialmente, há um tipo de neutralidade que se pode esperar dos pais. Joel Feinberg (1980) caracterizou o que temos em mente através do conceito de “direito do filho a um futuro em aberto”. A ideia é que os pais têm a responsabilidade de ajudar os seus filhos durante a fase de crescimento a desenvolver capacidades de raciocínio prático e decisão autónoma, e a desenvolver também pelo menos uma gama razoável de habilidades e capacidades necessárias para lhes proporcionar a possibilidade de escolha entre uma diversidade razoável de planos de vida disponíveis para os membros da sua sociedade. (Salientamos as duas qualificações de gama e variedade, já que Feinberg afirma por vezes um direito maior a um futuro maximamente aberto.)

Segundo este ponto de vista, seria errado que os pais limitassem substancialmente a maioria das oportunidades que de outra forma estariam disponíveis para os seus filhos e lhes impusessem a sua própria concepção particular de vida ou que continuassem na sua própria comunidade, a qual está comprometida com essa concepção de vida boa.

Assim, em Wisconsin vs Yoder, se a comunidade amish tivesse querido retirar os seus filhos da escola, por exemplo, aos dez anos, baseando-se no facto de que a partir dessa idade a educação não seria necessária para o seu modo de vida particular, teria violado o direito dos seus filhos a um futuro em aberto. No caso real de Wisconsin vs Yoder, os amish pretendiam retirar os seus filhos dois anos antes dos dezasseis, altura em que qualquer criança tem direito a deixar a escola por decisão própria. Em geral, poderia dizer-se que as leis que permitem às crianças deixar a escola aos dezasseis anos não violam o seu direito a um futuro em aberto porque, por essa altura, terão recebido educação suficiente para estarem aptos a realizar inúmeros trabalhos, e terão alcançado uma maturidade cognitiva suficiente que lhes permite decidir se querem avançar ou não na sua formação académica. No caso Yoder, o tribunal poderia ter defendido (de facto, foi apresentado um argumento deste tipo por uma opinião minoritária concorrente) que esta diferença de dois anos não implicava uma diferença suficientemente substancial relativamente às oportunidades disponíveis para as crianças amish que violasse o seu direito a um futuro em aberto.

É óbvio que não há um aspecto preciso e não arbitrário em que a manipulação genética, apesar de tornar alguém mais adaptado a uma forma de vida específica favorecida pelos pais, contribua para tornar alguém menos apto para uma gama suficientemente substancial de outras formas de vida que acabe por violar o seu direito a um futuro em aberto. Mas uma sociedade como a nossa, que aceita um forte compromisso com o individualismo e a autodeterminação ou a autonomia do indivíduo, pode razoavelmente colocar menos limites às manipulações genéticas ou de outro tipo realizadas nas crianças, com o interesse de manter um número razoável de oportunidades para elas, mesmo quando essas manipulações possam tornar a criança mais adaptada a uma forma de vida específica favorecida pelos pais.

Reconhecer o direito a um futuro em aberto é compatível com a atribuição aos pais de uma discricionariedade substancial para a utilização da manipulação genética, da mesma forma que para a utilização da manipulação ambiental, com a finalidade de procurar garantir aos seus filhos aquilo que eles possam vir a considerar a melhor vida possível. O que se exige é que essas intervenções não limitem a gama de oportunidades das crianças nem violem o seu direito a um futuro em aberto.

Saber se as crianças têm um direito moral a um futuro em aberto e, mais ainda, se esse direito deve fazer-se cumprir e ser protegido através de uma política pública e legislativa, é algo naturalmente controverso. Alguns pais insistirão na ideia de não haver limites morais para o seu direito de moldar os seus filhos à sua própria imagem, ou de acordo com qualquer outra imagem que lhes agrade. Mas uma razão mais convincente pela qual esse direito é controverso é que, em alguns casos, esse direito possa ocorrer à custa do bem-estar futuro da criança.

Alguns objectivos, como o de tornar-se num pianista ou num jogador de ténis profissional, requerem uma intensa formação desde a infância para aumentar a probabilidade de sucesso na idade adulta; noutros casos, uma opção substancial conduz a uma ansiedade e a uma indecisão que só o firme empenho para prosseguir um caminho determinado a partir de uma idade precoce poderia ter evitado. Estas considerações devem ser ponderadas com o direito a interpretar o seu alcance e peso, e que intervenções específicas, genéticas ou ambientais, violavam-no em casos determinados. Não obstante, os limites de um tal direito a tomar medidas para modelar as crianças não constituiriam uma proibição sistemática do recurso por parte dos pais à manipulação genética ou de outro tipo nos seus filhos para lhes dar uma vida melhor.

A exigência de que os pais respeitem o direito dos filhos a um futuro em aberto é importante não apenas porque conserva uma certa possibilidade de autonomia na idade adulta, mas também porque os protege de diversos tipos de incerteza e erro. Deixando de lado a autonomia, os interesses superiores de uma criança podem não coincidir com as avaliações dos seus pais relativamente ao que é o melhor. Os pais podem erradamente projectar para os seus filhos aquilo que é bom para eles mesmos. Podem vincular as suas avaliações sobre o que é bom ao que à data é valorizado pela sociedade e não ao que possui um valor duradouro. As suas avaliações podem estar contaminadas de racismo, classismo e sexismo. A história do movimento eugenista faz com que o risco de erro esteja perfeitamente claro. Uma gama mais ampla de capacidades deveria em geral proporcionar aos indivíduos maiores capacidades de adaptação para corrigir os erros e equívocos dos seus pais.

Nas discussões actuais, contudo, não é simplesmente a possibilidade de erro sobre o que é o melhor que explica as reservas sobre a manipulação genética, mas sobretudo a enorme incerteza quanto aos riscos que o seu uso envolve. Voltaremos à questão dos riscos no final deste capítulo.»

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