quinta-feira, 26 de junho de 2008

Elliot Sober, "Uma abordagem evolucionista do altruísmo" (Parte I)

«A motivação psicológica é um mecanismo próximo no sentido em que o termo é usado na biologia evolucionista. Quando um girassol se volta para o Sol, tem de haver um mecanismo no seu interior que provoca esse movimento. Quer dizer, se o fototropismo é uma adaptação que evoluiu porque trazia certos benefícios aos organismos, então um mecanismo próximo que cause esse comportamento também tem também de ter evoluído. Da mesma forma, se certos modos de comportamento prestável nos seres humanos são o resultado de adaptações evolutivas, então a motivação que causa neles esses comportamentos também tem de ser o resultado da evolução. Talvez uma perspectiva geral sobre a evolução dos mecanismos próximos lance luz sobre o problema específico acerca de qual das evoluções foi mais provável — se a do egoísmo, se a do pluralismo da motivação.

Continuar com esta abordagem evolucionista não pressupõe, no entanto, que o comportamento humano, ou qualquer acto prestável, possa ser completamente explicado pela hipótese da evolução por selecção natural. Sem dúvida que há bastantes factos acerca do comportamento e bastantes casos de comportamento prestável para os quais a selecção natural não tem uma explicação relevante. Contudo, quero considerar um facto simples sobre o comportamento humano e a minha tese é que a selecção natural é relevante para a sua explicação. O fenómeno interessante é que os progenitores humanos cuidam das suas crias; a quantidade média de cuidado parental fornecido pelos seres humanos é notavelmente maior do que o fornecido pela maioria dos progenitores de outras espécies. Pressuporei que a selecção natural é, pelo menos, parte da explicação da razão da evolução do cuidado parental na nossa linha evolutiva. Isso não serve para negar que os pais humanos variam, que alguns pais tomam melhor conta dos seus filhos do que outros, e que alguns até abusam e matam os seus filhos. Outro facto notório sobre a variação individual é que as mães, em média, dispensam mais tempo e esforço no cuidado parental do que os pais. Talvez também existam explicações evolucionistas para estas diferenças individuais; contudo, a questão, tal como a coloco aqui, nada pressupõe quanto à sua verdade.

Para destacar alguns dos princípios gerais que regem o modo como podemos prever a evolução dos mecanismos próximos para causarem determinado comportamento, darei exemplos de um organismo hipotético sem mente cujo problema é seleccionar itens do seu meio ambiente para se alimentar. Algumas das partículas que flutuam no meio aquático em que vive contêm proteínas; outras, veneno. O organismo evoluiu para um comportamento particular — tem tendência para comer as proteínas e evitar o veneno. Ora, que mecanismo próximo pode ter evoluído para que se comporte desta forma?

Primeiro, façamos o inventário das soluções arquitectónicas possíveis que temos de considerar. A solução arquitectónica mais óbvia para este problema é a presença de um detector no organismo, que lhe permita distinguir proteína de veneno. Captura uma partícula que flutua, coloca-a no seu detector, que dá origem a um comportamento — o organismo ou come a partícula ou deita-a fora. Chamarei a isto a solução arquitectónica directa para o problema; o organismo precisa discriminar entre proteína e veneno e essa solução realiza esse fim através de um detector que identifica as propriedades contrastantes.

Não é difícil imaginar outra solução para o problema arquitectónico que seja menos directa. Suponha-se que, no meio ambiente do organismo, a proteína tende a ficar encarnada e o veneno tende a ficar verde. Se é assim, o organismo pode usar um detector de cor para fazer a discriminação necessária. Esta solução arquitectónica é indirecta; o organismo precisa distinguir a proteína do veneno e realiza esse fim discriminando entre duas propriedades correlacionadas com o contraste desejado. Em geral, pode haver diversas soluções arquitectónicas indirectas de que o organismo pode tirar vantagem; há tantas soluções indirectas quantas as correlações entre a distinção proteína/veneno e outras propriedades encontradas no meio ambiente. Finalmente, podemos acrescentar à nossa lista a ideia de que pode haver uma pluralidade de soluções para o problema arquitectónico. Em conjunto com a solução monista de ter um detector de proteína e a solução monista de ter um detector de cor, um organismo pode utilizar um detector de proteína e um detector de cor.

Dada esta multiplicidade de possibilidades, como pode alguém prever qual delas mais provavelmente evoluirá? É relevante considerar aqui três princípios – a disponibilidade, a fiabilidade e a eficiência.
A selecção natural actua apenas sobre o conjunto de variações ancestralmente existentes. Pode ser uma coisa boa um organismo ter um detector de proteína, mas se esse dispositivo nunca tiver surgido como variante ancestral, então a selecção natural nunca poderá causar a evolução desse traço. Assim, o primeiro tipo de informação que queremos ter diz respeito ao tipo de mecanismo próximo que está ancestralmente disponível.

Suponha-se, para efeitos de discussão, que tanto o detector de proteína como o detector de cor estavam ancestralmente disponíveis. Qual dos dois mais provavelmente evoluirá? Aqui torna-se necessário considerar a questão da fiabilidade. Qual dos mecanismos indica de forma mais fiável que partículas do meio ambiente são boas para comer? Sem mais informação, pouco mais se pode dizer. Um detector de cor pode ter um certo grau de fiabilidade e o mesmo se pode dizer de um detector de proteína. Não há qualquer razão a priori para que uma estratégia directa seja mais fiável do que uma estratégia indirecta. Contudo, há uma circunstância especial em que diferem, como ilustra a Figura 7.2.

Sem comentários: