sábado, 21 de junho de 2008

Garrett Hardin, “A ética do bote salva-vidas: um argumento contra ajudar os pobres” (Parte I)

«Os ambientalistas usam a metáfora da terra como “nave espacial” procurando dessa forma persuadir os países, as indústrias e as pessoas a pararem de desperdiçar e poluir os nossos recursos naturais. Uma vez que todos partilhamos a vida neste planeta, defendem, nenhuma pessoa singular ou instituição tem o direito de destruir, desperdiçar ou usar mais do que uma parte justa dos seus recursos.

Mas será que todos na terra têm um direito igual a uma parte igual dos seus recursos? A metáfora da nave espacial pode ser perigosa quando usada por idealistas equivocados para justificar as políticas suicidárias a favor da partilha dos nossos recursos através da emigração descontrolada e da ajuda internacional. Na sua generosidade entusiástica, mas irrealista, confundem a ética da nave espacial com a do bote salva-vidas.

Uma verdadeira nave espacial teria que estar sob o controlo de um comandante, já que nenhuma nave poderá provavelmente sobreviver se o seu curso fosse determinado por uma comissão. Certamente que a nave espacial Terra não tem qualquer comandante; os Estados Unidos são um mero tigre sem dentes, com pouco poder para impor qualquer política aos seus erráticos membros.

Se o mundo for grosseiramente dividido em nações ricas e nações pobres, dois terços delas são desesperadamente pobres, e apenas um terço é comparativamente rico, sendo os Estados Unidos a mais rica destas nações. Em termos metafóricos cada nação rica pode ser vista como um bote salva-vidas cheio de pessoas comparativamente ricas. No oceano que rodeia cada bote salva-vidas nadam os pobres do mundo, que gostariam de entrar, ou pelo menos partilhar alguma da riqueza. O que devem os passageiros do bote salva-vidas fazer?

Primeiro, devemos reconhecer a capacidade limitada de qualquer bote salva-vidas. Por exemplo, a terra de uma nação possui uma capacidade limitada para suportar uma população e como a actual crise energética nos tem mostrado, de alguma forma já excedemos essa capacidade.

À deriva num mar moral

Digamos que estão sentadas cinquenta pessoas num bote salva-vidas. Para sermos generosos, assumamos que há lugar para mais dez, esgotando dessa forma a capacidade total de sessenta lugares. Suponhamos que as cinquenta pessoas que estão no bote vêem mais cem pessoas a nadar à sua volta, pedindo para as deixar entrar ou para lhes estenderem uma mão. Possuímos diversas opções: podemo-nos sentir tentados a viver de acordo com o ideal Cristão de sermos “o guardião do nossos irmão”, ou segundo o ideal marxista de “a cada um de acordo com as suas necessidades”. Dado que as necessidades de todos os que estão na água são iguais, e dado que todos eles podem ser vistos como “nossos irmãos”, podemos recolhê-los a todos para o bote, perfazendo um total de cento e cinquenta para uma capacidade de sessenta. O barco afunda-se e todos se afogam. Justiça total, desastre total.

Dado que o bote possui uma capacidade não utilizada de mais dez passageiros, podemos admitir apenas mais dez. Mas que dez devemos deixar subir? Como escolhemos? Recolhemos os dez melhores, os dez mais necessitados, “os primeiros que aparecerem”? E o que dizemos aos noventa que excluímos? Mas ao deixarmos entrar as dez pessoas extra no bote salva-vidas, estaremos a perder o nosso “factor de segurança”, um princípio de gestão de importância crítica. Por exemplo, se não deixarmos lugar para capacidade excessiva enquanto factor de segurança na agricultura do nosso país, uma nova doença nas plantas ou uma alteração má do tempo podem ter consequências desastrosas.

Suponhamos que decidimos preservar o nosso pequeno factor de segurança e não deixar entrar mais ninguém. A nossa sobrevivência seria então possível, embora tivéssemos que estar sempre em alerta relativamente a novas abordagens.

Enquanto que esta última solução oferece claramente o único meio para sobrevivermos, é moralmente repugnante para muitas pessoas. Alguns afirmam sentir-se culpados com a sua boa sorte. A minha resposta é só esta: “Saiam do bote e cedam o lugar a outro”. Isto pode resolver os problemas de consciência da pessoa, mas não altera a ética do bote salva-vidas. A pessoa necessitada a quem a pessoa com problemas de consciência cedeu o lugar não se sentirá ela própria culpada com a sua boa sorte. Mas se for esse o caso, não se atirará borda fora. O resultado final das pessoas com problemas de consciência que cedem os seus lugares é a eliminação desse tipo de consciência do bote salva-vidas.

Esta é a metáfora básica sobre a qual devemos trabalhar para encontrar soluções. Deixem-me agora enriquecer a imagem, passo a passo, com acrescentos substanciais retirados do mundo real, um mundo em que devemos resolver problemas reais e prementes de excesso de população e fome.

A ética dura do bote salva-vidas torna-se ainda mais dura quando consideramos as diferenças reprodutivas entre as nações ricas e as nações pobres. As pessoas no interior do bote salva-vidas duplicam em número a cada oitenta anos; aqueles que nadam em volta estão a duplicar, em média, a cada trinta e cinco anos, mais do dobro da rapidez dos ricos. E uma vez que os recursos estão a decrescer, a diferença de prosperidade entre ricos e pobres só pode aumentar.

Em 1973, o EUA tinham uma população de 210 milhões de pessoas, que tem aumentado cerca de oito por cento ao ano. Imaginemos que os outros 210 milhões de pessoas que estão fora do nosso bote salva-vidas (digamos, a população combinada de Columbia, Equador, Venezuela, Marrocos, Paquistão, Tailândia e Filipinas) estão a aumentar a uma percentagem de 3,3 por ano. Dito de outro modo, o tempo de duplicação para esta população agregada é de vinte e um anos, comparativamente com os oitenta para o EUA.

Multiplicando os ricos e os pobres

Suponha-se agora que os EUA concordavam em dividir os seus recursos com os outros sete países, recebendo cada um destes países parcelas iguais. Inicialmente, segundo este modelo, o ratio dos americanos relativamente aos não americanos seria um por um. Mas considere-se qual seria o ratio ao fim de oitenta anos, sendo que nessa altura os americanos teriam duplicado a sua população para 420 milhões de pessoas. Nessa altura também e duplicando a um ritmo de vinte e um anos, o outro grupo de países teria crescido até ao número de 3, 54 biliões de pessoas. Cada americano teria que partilhar os recursos remanescentes com mais de oito pessoas.

Mas, pode alguém defender, esta discussão assume que a tendência da população actual se manterá, o que pode não acontecer. Isso é um facto. Muito provavelmente a taxa da população começará a diminuir muito mais rapidamente nos EUA do que nos outros países, e não parece que haja muito que fazer para o evitar. Ao partilhar com “cada um de acordo com as suas necessidades”, devemos reconhecer que as necessidades são determinadas pelo tamanho da população, o que é determinado pela taxa de natalidade, o que até ao momento é encarado como um direito soberano de qualquer nação, pobre ou não. Sendo assim, o fardo filantrópico criado pela ética da partilha da nave espacial só pode aumentar.»
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