quinta-feira, 10 de julho de 2008

Thomas Christiano, “A Importância da Deliberação Pública” (Parte X)

«O apelo à necessidade

Os defensores da concepção justificatória podem argumentar que, uma vez que é frequentemente necessário tomar decisões apesar do desacordo, é razoável que os membros da minoria aceitem o resultado da regra da maioria em situações em que deva ser tomada uma decisão. Podem argumentar que estes factos, quando apreendidos pela minoria ou quando devem ser por ela apreendidos, constituem um tipo de justificação política do resultado para a minoria mesmo quando esta não estiver persuadida de que o resultado é aceitável ou que poderia ser razoavelmente aceite. Isto é, acredito, a última linha de defesa da concepção justificatória
[1].

Há dois problemas básicos com esta concepção. Primeiro, assume que todos aceitarão a tese da necessidade. Note-se que devemos perguntar quando é feito o apelo à necessidade: necessário a que propósito? Seguramente que não está aqui a ser invocada a necessidade lógica, física ou psicológica. O que está a ser invocado é a ideia de que, se a decisão não for tomada, nenhum resultado bom ocorrerá. Mas, claramente, pode haver bastante desacordo sobre se o bom resultado apresentado é realmente bom. Por exemplo, alguém pode argumentar que uma proposta de seguro de saúde para ajudar os indigentes deve ser aprovada (caso contrário, os indigentes não receberiam ajuda) e, assim, mesmo que haja desacordo sobre qual a melhor proposta, é razoável para qualquer pessoa aceitar a proposta da maioria, ainda que por si mesma não alcance a justificação política. Mas é seguro que alguns possam rejeitar o apelo à necessidade neste caso. Poderiam argumentar que os indigentes não têm de ser ajudados. Ou poderiam argumentar que não seriam ajudados independentemente de haver ou não programa. Presumivelmente, poderiam defender estas teses com base nos ideais de liberdade e igualdade. Assim, o recurso à necessidade seria controverso.

A dificuldade final do recurso à necessidade é que parece ceder inteiramente ao ideal de justificação política das leis ou das políticas a todas pessoas. Assim, por hipótese, permite explicitamente que essa justificação política da lei ou do direito para cada pessoa não possa ser mantida nestas circunstâncias. Em vez disso, diz que na ausência de justificação política, a maioria é o grupo certo para tomar a decisão. Mas podemos ver aqui que a regra da maioria não está a ser invocada porque facilita a justificação política. Está a ser invocada porque é a forma correcta ou justa de tomar decisões quando há que decidir e o desacordo sobre os méritos de propostas alternativas não possa ser resolvido. Mas uma tal explicação do valor da regra da maioria é explicitamente excluída pela concepção justificatória. A única defesa da regra da maioria ao longo destas linhas é a de que incorpora a igualdade. Assim, mais uma vez, chegamos à segunda parte da concepção defendida neste ensaio.»
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[1] Veja-se Cohen, "Liberty, equality, and democracy”, p. 74; veja-se também Thomas Nagel, "Moral Conflict and Political Legitimacy”, Philosophy and Public Affairs (1987), pp. 215-40, especialmente pp. 233-4.
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