quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ecos do debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo

O Ciclo de Debates, promovido pelo Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária c/ 3º CEB de Oliveira do Bairro, é um projecto extra-curricular de carácter transversal e sistemático, concordante com os pressupostos e as finalidades da escola, que procura concretizar uma concepção dinâmica de abertura da instituição à comunidade. Será dinamizado sempre por um conjunto de pessoas de reconhecido mérito científico, social e cultural de áreas diversas, consequentes com o propósito de educar para a cidadania. O objectivo essencial desta iniciativa é proporcionar à comunidade educativa momentos informais de discussão, reflexão e aprendizagem significativos que contribuam para uma efectiva educação na e para a cidadania.

O primeiro evento deste ciclo de debates ocorreu no auditório da ESOB no passado dia 15 de Novembro, pelas 10 horas e 30 minutos. O tema foi o casamento entre pessoas do mesmo sexo e contou com a participação de Miguel Nogueira de Brito e Pedro Múrias, ambos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e co-autores do livro “Casamento entre pessoas do mesmo sexo: sim ou não? Não ou sim?”, editado em 2008 pela Entrelinhas. O debate constituiu uma oportunidade para os presentes assistirem a uma discussão construtiva entre duas pessoas que defendem teses fortemente opostas, pelo que e desde logo estavam ambos obrigados a provar de forma imparcial a sua tese. Para além disso ficou claro que defendiam teses francamente opostas, pelo que estavam igualmente empenhados em negar, questionar ou não aceitar as tentativas para provar a tese contrária. Portanto, foi possível assistir a um diálogo persuasivo simétrico e assimétrico, em que o ónus da prova foi simultaneamente assumido, quer dizer, foi assumido o dever positivo de provar uma tese, mas também o dever negativo de levantar dúvidas em relação às provas da tese contrária.

Para além dos aspectos formais da discussão, há naturalmente a destacar os aspectos substantivos. Assim, além de apresentar as respostas habituais ao problema do casamento entre pessoas do mesmo sexo, Miguel Nogueira de Brito defendeu que o problema subjacente ao tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo é o da presença de “dados ético-sociais” ou de valores, no direito, e que o casamento é uma instituição intergeracional com uma conexão necessária com a procriação. A aceitação desta versão forte do casamento, impossibilita, segundo Miguel Nogueira de Brito, que o casamento entre pessoas do mesmo sexo seja aceitável. Para Pedro Múrias, o que está em causa no tema do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um problema de um dado tipo de reconhecimento e de legitimação, sendo o casamento apenas um bem jurídico simbólico que o Estado pode, à luz da constituição portuguesa, justificadamente atribuir a qualquer pessoa independentemente da sua orientação sexual.
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O principal ponto de fricção entre ambos foi o argumento da conexão necessária entre casamento e procriação. Para Miguel Nogueira de Brito, esta conexão é uma consequência natural de um conceito de casamento. Para Pedro Múrias, esta conexão é uma invenção arbitrária cuja função retórica é inviabilizar a admissibilidade de pessoas do mesmo sexo a um bem jurídico simbólico - o casamento. Para Miguel Nogueira de Brito, a redução que Pedro Múrias faz do casamento a um bem simbólico, transforma o casamento num símbolo de nada, para ninguém, o qual, em vez de promover a igualdade, consegue apenas submeter o casamento a uma linguagem empobrecedora onde nenhuma identidade se revê. Para Pedro Múrias, a posição de Miguel Nogueira de Brito é conceptualista e invoca apenas, contra o casamento homossexual, uma dificuldade definitória e um resultado social que todos reconheceríamos como mau. Por outro lado, Pedro Múrias considerou que o facto de Miguel Nogueira de Brito não cuidar da distinção entre casamento e comunhão de vida, e não explicar a relação entre uma e outra ideia, acaba por o levar a defender o resultado estranho de, ao negar o casamento aos casais do mesmo sexo que o desejem, negar o próprio sentido do casamento. Mas para Miguel Nogueira de Brito, considerar inconstitucional uma norma legislativa que consagre o casamento entre pessoas do mesmo sexo seria uma atitude com escasso apoio na Constituição, tal como o seria considerar inconstitucional a norma em vigor que o exclui, pelo que o que está verdadeiramente em causa é uma concepção abrangente e complexa que não pode excluir a heterossexualidade em razão da sua relação à procriação, sob pena de termos uma outra qualquer coisa que já não será seguramente casamento.

O debate estendeu-se depois à audiência e Miguel Nogueira de Brito e Pedro Múrias tiveram a oportunidade de esclarecer com maior detalhe os pressupostos, teses e argumentos das suas posições. No final, a escola e os presentes agradeceram a oportunidade de poder presenciar uma discussão empenhada e rigorosa entre duas pessoas solidamente informadas sobre o tema, em que houve seguramente momentos de maior tensão argumentativa, mas que foram sempre acompanhados de um profundo respeito intelectual pelo valor positivo da divergência e do pluralismo razoável.
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